sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

" Mulher de recado "

Esticava-se a revolta , a sala de aula junto a banquinhos da cor dum pinhal escuro a chilrear.


(um sono de guarda a mostrar o farol ao ladrão )


A redacção da Rita era esquisita ...
A professora entusiasmadíssima


( tudo tão longe desse tempo )


as caras dos pais eram de cães respeitosos com a odediência semelhante à disciplina do chapéu de chuva , logo à entrada de casa , arrumadinhos e quietos .


( dois erros a vermelho e um mar de palavras a destrinçar )



- Nunca houve pão para os malucos !


(as sobras têm sempre destino )


" Mãma , quando for grande quero trabalhar , viver sozinha e ser mãe solteira de um javali "


(em cada emergência da vida , a pessoa sepulta-se sem ajuda , a murmurar se consegue )


As outras redacções falavam de castelos foleiros cheios de avatares com três olhos e princesas sem veias dilatadas , coisas sem ponta de graça , coisas que deixavam absolutamente aquele texto sozinho , inigualável .Miúdos cujas mãos se colavam ao papel numa alegria de entrada de Feira Popular .

E lá ia a Rita a correr no texto , tenho a certeza , ensanguentada pelo real .
Será que um porco se entretem com um quadradinho de marmelada e deixa avançar à noitinha , uma mãe solteira ? Vejo nisto uma ironia tremenda .Parece que dá a entender que se quiser mata o porco e não lhe crescem latas de ferrugem e mijo de sanita no azulejo novo . Possivelmente quer poder .Compreendo tamanha euforia para uma menina de sete anos .


Eu por mim preferia meter o javali ao colo , dar-lhe uns talos de couve amarelada e instalar-me no sofá a depenicar quadradinhos de marmelada , enquanto uma voz do quarto berrava de medo : " Se quiseres podes fugir ".


Um beijo e um dia maravilhoso a todos !

sábado, 13 de fevereiro de 2010

" Vacilantes almas sem pé "

Vacilante alma sem pé : O Cajó , homem num síndrome de cinderela das ocasiões, beiço afável , verso de menino de riacho Brasileiro , atitude de oferta . Silenciados estares do passado , imagino-o de chinelo no pé , odor carioca , sujo do País , favela com a revolta e as aflições caladas junto ao pão e ao corpo de pasta que estremece num empurrão , onde as baratas reagem às pisadelas humanas . A recriar-se naquilo , vacilante , atormentado , Papai cedeu , vivia ele a infância de algema no dedo .
A pele do rosto cresceu e o Samba fez a vida , eventualmente violada , por um pacote de arroz prometido ,ao piscar o olho , a travestidas jeitosas num afago de erupção .A vida brasileira era terrível e o Cajó embarcou para Portugal na convicção de que a letra do poema não era só desgraça .
A Mãe faleceu há uns anos , não sei quê e lá ia , devagar ... os cancros geralmente demoram uma eternidade .
Penteia donzelas faz 20 anos este ano , envelheceu como os heróis , o Batman , o Super Homem , asas de cinquentão .


- Oi Grandão , dizia ele ao homem do café

( mas o Grandão , por vezes Gigante desfalece )


Parece que tem algemas nas mãos , mas não fez nada , trabalhou , arranjou Dondoca , facilitou pelintra , enlouqueceu bicha faminta . Saudades da putice que lhe esgotava os sábados , na despensa a cozinhar para os amigos do " Povo Legau ". O povo legau? Sequer existe?


À dias vejo o Cajó na tasca , cerveja de lágrimas como um bébe sem colo . Estava-se a cagar por fora , num sorriso bebido terno , mas , sabendo eu , que morria por dentro .O Cajó foi despedido do salão onde trabalhava , a conhecida justificação dos tempos duros num talão desbotado , parte da velhaca da Dona , que desde 2005 não lhe pagava a segurança social .

Conclusão : O Cajó não tem emprego , não pode renovar a legalização porque na segurança social dizem que deve 6000euros , os tais 6000 euros que a cabra da Patroa meteu ao bolso , numa lucidez de pessoa . O Cajó não rouba e também não se prostitui porque putas como a que apanhou há muitas . E agora???????
Nos 4 cabeleireiros a que foi não o empregam porque não gostam de falar sobre preconceitos bichas ainda por cima , fora de prazo .
O Cajó mata-se ? Ressuscita a família ?
Quantos Cajós existem no Mundo enquanto muita gente desce o estore e furiosa atira : " Olhó Maricas "


Tocou ? Isto somos nós os portuguesinhos que escalaram tanta fronteira e agora manifestam que a liberdade também tem fronteiras .um beijo e despertares mais felizes por vir !

domingo, 7 de fevereiro de 2010

" Eis -me sem explicações "

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade


Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas àrvores dos dedos
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo .


" in Antologia Poética " , Natália Correia


e rebelde e deitada contei a ironia de saber
um abraço redondo à ignorância

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

" Obstinações "

Uns miúdos brincavam com as horas da manhã . Lutas a respeito das fronteiras que se sentem a existir com a idade , as manhas da barba , a eficácia de um sonho , que cada um mantem no seu domínio defensivo


( a comunicação esboçando a tentativa de um mercado comum )


-Soltem-se com modos


e a ignorância imprescindível para a aceitação do próximo , a impor carências com repercussão .



- A tua Mãe nunca te disse que tens boquinha de piriquito ?



( a dialéctica da duração a depenar avezinhas por nascer )



- Repetes a fôlegos irritantes o que é soluçado pelos falares amigos



-O valor aceite da experiência é uma tentativa recente de criar história .



( a utilidade dos dois a ser comum )



e a luta atenta das fronteiras ocupa o homem desde que os acontecimentos são maçudos e ruídosos , talvez algum mecanismo esquisito , metido na tábua rasa cerebral, numa junção de adições desejavelmente traduzidas num tempo, o da brevidade da vontade de Deus .


Aqueles que "pensam mais com os queixos do que com a cabeça" da cabeça de A.Lobo Antunes