sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Códeas ao Lume

Costumava ver um velhinho branco , baixote , barba corcunda , a casa num trapézio a subir pelas costas , sacos de plástico a completarem seis assoalhadas ; o fogão ácido, feito beliche por cima de uma telefonia ruídosa , a generosidade de mantas e retalhos simpáticos a espreitar árvores pela nesga rota do saco verde ,brindando às nódoas .Loiças amareladas surradas pelo desprezo do que se cozinha na vida , encavalitadas aos avessos , sarna nos pés e segundo dizia


- Foi a minha Mãe que ofereceu


aproximei-me com a sandes , a afeição dos dedos segurou-lhe o saquinho castanho, destinado , julgo eu , à miséria e às dores ( sem preocupações públicas ou sociais ) , códeas na barriga , pregas a suar na testa , carrapatos nos calafrios da língua , a vergonha a dizer



-Não quer uma peça do meu fogão ?


(eu comovidíssima a rir para não chorar )


a cobrar dinheiro pelo fogão que não era nem meu , nem de ninguém , a cobrar dinheiro cada vez que vestimos as purpurinas da bazófia e na banalidade aguda entroncamos


- Foi a Minha Mãe que me ofereceu !


a borrifar-nos para o laçarote do embrulho , a decalcar-mos a expressão do preço , ou a apagarmos da memória o que lhes custou a pagar .



( os Pais com códeas na barriga , a amealharem a tesoura , o papel e a fita-cola para produzirem o laçarote num gesto de prenda )


mas tenho a certeza , uma voz funda reclama-o , esgrima e palpita , que muitos de nós amanhã acordamos e conseguimos perceber o significado que uma peça de fogão pode ter .


beijos e obrigada pelo apreço :P

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